A minha experiência no Programa Novas Oportunidades
Há coisa de uns meses atrás escrevi um texto sobre este assunto para uma publicação que teve como único "feedback", as ameaças à minha pessoa, as ameaças com tribunal e uma série de ofensas, que muito me diverti ao ler. Confesso que escrevi o texto de cabeça quente ( ainda com problemas legais com o programa em si) ao qual a junção de fotos, com as quais nada tiver a ver com sua selecção, veio piorar a situação.
Vou então fechar este assunto de vez, descrevendo ao pormenor em que constituiu o meu trabalho de 3 anos junto deste Programa que visava elevar a escolaridade dos portugueses.
Na teoria, este programa parece uma boa iniciativa. Sem dúvida que são vários os casos de portugueses que abandonando cedo a escola enveredaram por uma vida de trabalho que lhes trouxe uma série de competências a vários níveis que lhes possibilitaria ter equivalência ao 9º ou ao 12º ano (havia ainda aqueles que conseguiam fazer 4ª classe ao 12º ano, apenas em 10 meses). Mas como em tudo neste país, o que está na teoria no papel, não se aplica depois na prática. É a prática que eu vou desenrolar neste texto.
Certificação de competências. Tudo se resumia a isso. A pessoa apreendeu uma série de competências ao longo da sua vida profissional e pessoal e vai registá-las para que as possamos certificar e validar. É toda esta série de competências que lhes vai possibilitar ter acesso a uma escolaridade que lhes daria acesso ao 9º ou ao 12º ano. O meu centro ( e havia centenas de Centros Novas Oportunidades no país todo ) dispunha de técnicos- diagnóstico ( que entrevistavam quem poderia ou não entrar no programa ), técnicos ( que demonstravam o processo na teoria em cada Junta de Freguesia onde o Centro estava a trabalhar - sim, éramos itinerantes ) e por fim, formadores - onde me encaixava eu -que trabalhavam no terreno com os adultos o seu processo formativo. À partida, o nosso trabalho resumia-se ao "mero acompanhamento" daquilo que o adulto ia escrevendo na sua "História de Vida" com os respectivos núcleos, devidamente assinalados, onde se certificava as diversas competências que o adulto tinha ( que iam desde competências de leitura, escrita, História local e nacional, cidadania, preocupação ambiental, noções base de Matemática, noções básicas de Direito ...).
A realidade de todo este "idealismo educativo" cedo começou a cair por terra. Antes de mais o programa antes de ser qualitativo começou por ser ser quantitativo. Não interessava tanto a qualidade dos trabalhos, mas mais a quantidade de adultos que conseguíamos certificar por ano com equivalência de 9º e 12º anos. E para o Centro continuar aberto, teríamos de ter um X todos os anos. E no segundo ano esse X passou para o dobro e no terceiro para o triplo - altura em que bati com a porta. Com certeza, que com todas as nossas lacunas culturais e formativas, o facto de aumentarem o número de "adultos" ( era assim que eram conhecidos e não por alunos) nos iria trazer problemas.
Os técnicos-diagnóstico devido a pressão interna e externa, começaram a colocar todos os "adultos" que conseguiam no Programa e cujo trabalho (conhecido como "História de Vida") tinha de ser realizado num computador pessoal, que para os inscritos no programa, chegavam a valores irrisórios. A maior parte dos inscritos nunca tinham sequer ligado um computador pessoal. Aqui começava o problema número 1, que o formador de Informática nas suas 10 aulas não conseguia resolver. Depois começava o problema número 2 para os técnicos: os adultos tinham um vocabulário muito limitado e o afastamento deles em relação aos livros, piorava ainda mais a situação, pois raro era o "adulto" que não mandava dois, três ou quatro erros por frase. Ao nível de pontuação, o caso ainda era mais bicudo, já que praticamente ninguém sabia usar vírgulas, discurso directo ou pontos. Foi de tal forma extremo este último ponto que deixávamos ficar com erros a tal "História de vida" até ao seu final, altura em que nós formadores surgíamos, quais Mister Magoos, para dar alguma ordem e tornar o dossier legível para o júri que ia decidir se aqueles adultos tinham competências de vida ou não.
Quando eu começava o meu trabalho, os grupos de "adultos" já tinham sido formados ( Barcelos tem 89 freguesias e cada Junta de Freguesia teria as seus 30 a 40 pessoas em processo formativo) e a sua "História de Vida" redigida e era aqui que eu entrava em acção. Armado com uma cartilha de Núcleos geradores de competências formativas em "Cidadania e Profissionalidade", eu tinha de fazer com que os adultos demonstrassem essas mesmas competências. E eles tinham de ter essas competências, desse por onde desse, mesmo que não as tivessem. Era aqui que entrava em acção a Internet e a sua capacidade de plágio. Duvido mesmo que sem Internet ,90 por cento destas pessoas conseguissem ter concluído o programa ( e acreditem, mesmo com todas estas facilidades havia muita gente que desistia a meio). Eu tinha 2 horas com eles por semana, onde os instruía de que núcleos geradores tinham de falar (eram cerca de 10), dando 2 Núcleos por "aula" e corrigindo-os na semana seguinte. Um por um.
Vou dar-vos um exemplo para vos dar uma luz, porque acredito que ainda exista alguma abstracção do que é um Núcleo gerador. Um deles seria: "Demonstre que tem conhecimentos de História de Portugal, comentando um determinado episódio da nossa História e em como isso influenciou o nosso presente". Na teoria soa lindamente. Na prática, ninguém sabe nada da nossa História. O que as pessoas faziam era ir buscar um acontecimento do nosso passado recente, que elas próprias ainda tinham vivido, copiar esse acontecimento do wikipedia e no final comentar esse plágio. 95 por cento escolhiam o 25 de Abril. Ninguém parece ter entendido o que esse episódio da nossa História recente realmente alterou no nosso país, o que levava a que na maior parte das vezes eu tivesse de reescrever o comentário deles com palavras minhas. Moral e éticamente errado? Completamente. Se não o fizesse, perdia o emprego? Completamente.
O mais caricato desta situação era o pretenso júri ( escolhido dela DREN e que recebia à cabeça por cada adulto certificado com 9º e 12º ano) que como quem não vê um acidente na estrada, deixava todos estes plágios passarem em claro. Bastava escrever a primeira fase no motor de busca "Google" para encontrarmos o plágio, mas o dinheiro fala sempre mais alto que a ética e apesar do meu esforço nos primeiros meses em não deixar passar plágios, as ordens superiores que tinha e o número de adultos certificados mensalmente, levaram a que me deixasse de preocupar com isso. Na realidade, ninguém parecia preocupado com nada e as sessões de certificação (ou sessões de júri) pareciam saídas de uma exposição surrealista de Dali mas em palavras. As apresentações de algumas das pessoas eram totalmente obtusas e demonstravam uma grande carência ao nível formativo, educativo e cultural.
Vários atentados foram cometidos. Pessoas certificadas com o 12º ano que tinham deixado a escola há 2 anos (sim, pessoas com 19 anos) sendo que o programa tinha sido desenhado para quem tinha abandonado a escola há pelo menos 10 anos, pessoas que não sabiam conjugar verbos quando faziam a apresentação da sua "História de vida" ( o "eu fez" ou o "eu foi" eram frequentes),pessoas que tinham vidas todas iguais umas às outras que tornava quase impossível distinguir as "Histórias de vida", pessoas que admitiam ter copiado tudo da Internet,pessoas que admitiam que tinham sido os filhos a escrever aquilo por elas, pessoas que e mais pessoas que...
Como conclusão: foi uma experiência profissional péssima, já que trabalhei bem cedo na minha vida profissional com a mentira, o engano, o plágio e a corrupção. Centenas e centenas de adultos foram certificados com o 12º ano sem a mínima preparação para tal. Tentámos passar uma imagem daquilo que não somos e agora que o Programa Novas Oportunidades já não existe e caiu no esquecimento, pela seriedade da questão e por alguma réstia de vergonha na nossa Educação Nacional (que praticamente desapareceu), investigue-se o que aqui se passou. Com uma testemunha já podem contar.
Há coisa de uns meses atrás escrevi um texto sobre este assunto para uma publicação que teve como único "feedback", as ameaças à minha pessoa, as ameaças com tribunal e uma série de ofensas, que muito me diverti ao ler. Confesso que escrevi o texto de cabeça quente ( ainda com problemas legais com o programa em si) ao qual a junção de fotos, com as quais nada tiver a ver com sua selecção, veio piorar a situação.
Vou então fechar este assunto de vez, descrevendo ao pormenor em que constituiu o meu trabalho de 3 anos junto deste Programa que visava elevar a escolaridade dos portugueses.
Na teoria, este programa parece uma boa iniciativa. Sem dúvida que são vários os casos de portugueses que abandonando cedo a escola enveredaram por uma vida de trabalho que lhes trouxe uma série de competências a vários níveis que lhes possibilitaria ter equivalência ao 9º ou ao 12º ano (havia ainda aqueles que conseguiam fazer 4ª classe ao 12º ano, apenas em 10 meses). Mas como em tudo neste país, o que está na teoria no papel, não se aplica depois na prática. É a prática que eu vou desenrolar neste texto.
Certificação de competências. Tudo se resumia a isso. A pessoa apreendeu uma série de competências ao longo da sua vida profissional e pessoal e vai registá-las para que as possamos certificar e validar. É toda esta série de competências que lhes vai possibilitar ter acesso a uma escolaridade que lhes daria acesso ao 9º ou ao 12º ano. O meu centro ( e havia centenas de Centros Novas Oportunidades no país todo ) dispunha de técnicos- diagnóstico ( que entrevistavam quem poderia ou não entrar no programa ), técnicos ( que demonstravam o processo na teoria em cada Junta de Freguesia onde o Centro estava a trabalhar - sim, éramos itinerantes ) e por fim, formadores - onde me encaixava eu -que trabalhavam no terreno com os adultos o seu processo formativo. À partida, o nosso trabalho resumia-se ao "mero acompanhamento" daquilo que o adulto ia escrevendo na sua "História de Vida" com os respectivos núcleos, devidamente assinalados, onde se certificava as diversas competências que o adulto tinha ( que iam desde competências de leitura, escrita, História local e nacional, cidadania, preocupação ambiental, noções base de Matemática, noções básicas de Direito ...).
A realidade de todo este "idealismo educativo" cedo começou a cair por terra. Antes de mais o programa antes de ser qualitativo começou por ser ser quantitativo. Não interessava tanto a qualidade dos trabalhos, mas mais a quantidade de adultos que conseguíamos certificar por ano com equivalência de 9º e 12º anos. E para o Centro continuar aberto, teríamos de ter um X todos os anos. E no segundo ano esse X passou para o dobro e no terceiro para o triplo - altura em que bati com a porta. Com certeza, que com todas as nossas lacunas culturais e formativas, o facto de aumentarem o número de "adultos" ( era assim que eram conhecidos e não por alunos) nos iria trazer problemas.
Os técnicos-diagnóstico devido a pressão interna e externa, começaram a colocar todos os "adultos" que conseguiam no Programa e cujo trabalho (conhecido como "História de Vida") tinha de ser realizado num computador pessoal, que para os inscritos no programa, chegavam a valores irrisórios. A maior parte dos inscritos nunca tinham sequer ligado um computador pessoal. Aqui começava o problema número 1, que o formador de Informática nas suas 10 aulas não conseguia resolver. Depois começava o problema número 2 para os técnicos: os adultos tinham um vocabulário muito limitado e o afastamento deles em relação aos livros, piorava ainda mais a situação, pois raro era o "adulto" que não mandava dois, três ou quatro erros por frase. Ao nível de pontuação, o caso ainda era mais bicudo, já que praticamente ninguém sabia usar vírgulas, discurso directo ou pontos. Foi de tal forma extremo este último ponto que deixávamos ficar com erros a tal "História de vida" até ao seu final, altura em que nós formadores surgíamos, quais Mister Magoos, para dar alguma ordem e tornar o dossier legível para o júri que ia decidir se aqueles adultos tinham competências de vida ou não.
Quando eu começava o meu trabalho, os grupos de "adultos" já tinham sido formados ( Barcelos tem 89 freguesias e cada Junta de Freguesia teria as seus 30 a 40 pessoas em processo formativo) e a sua "História de Vida" redigida e era aqui que eu entrava em acção. Armado com uma cartilha de Núcleos geradores de competências formativas em "Cidadania e Profissionalidade", eu tinha de fazer com que os adultos demonstrassem essas mesmas competências. E eles tinham de ter essas competências, desse por onde desse, mesmo que não as tivessem. Era aqui que entrava em acção a Internet e a sua capacidade de plágio. Duvido mesmo que sem Internet ,90 por cento destas pessoas conseguissem ter concluído o programa ( e acreditem, mesmo com todas estas facilidades havia muita gente que desistia a meio). Eu tinha 2 horas com eles por semana, onde os instruía de que núcleos geradores tinham de falar (eram cerca de 10), dando 2 Núcleos por "aula" e corrigindo-os na semana seguinte. Um por um.
Vou dar-vos um exemplo para vos dar uma luz, porque acredito que ainda exista alguma abstracção do que é um Núcleo gerador. Um deles seria: "Demonstre que tem conhecimentos de História de Portugal, comentando um determinado episódio da nossa História e em como isso influenciou o nosso presente". Na teoria soa lindamente. Na prática, ninguém sabe nada da nossa História. O que as pessoas faziam era ir buscar um acontecimento do nosso passado recente, que elas próprias ainda tinham vivido, copiar esse acontecimento do wikipedia e no final comentar esse plágio. 95 por cento escolhiam o 25 de Abril. Ninguém parece ter entendido o que esse episódio da nossa História recente realmente alterou no nosso país, o que levava a que na maior parte das vezes eu tivesse de reescrever o comentário deles com palavras minhas. Moral e éticamente errado? Completamente. Se não o fizesse, perdia o emprego? Completamente.
O mais caricato desta situação era o pretenso júri ( escolhido dela DREN e que recebia à cabeça por cada adulto certificado com 9º e 12º ano) que como quem não vê um acidente na estrada, deixava todos estes plágios passarem em claro. Bastava escrever a primeira fase no motor de busca "Google" para encontrarmos o plágio, mas o dinheiro fala sempre mais alto que a ética e apesar do meu esforço nos primeiros meses em não deixar passar plágios, as ordens superiores que tinha e o número de adultos certificados mensalmente, levaram a que me deixasse de preocupar com isso. Na realidade, ninguém parecia preocupado com nada e as sessões de certificação (ou sessões de júri) pareciam saídas de uma exposição surrealista de Dali mas em palavras. As apresentações de algumas das pessoas eram totalmente obtusas e demonstravam uma grande carência ao nível formativo, educativo e cultural.
Vários atentados foram cometidos. Pessoas certificadas com o 12º ano que tinham deixado a escola há 2 anos (sim, pessoas com 19 anos) sendo que o programa tinha sido desenhado para quem tinha abandonado a escola há pelo menos 10 anos, pessoas que não sabiam conjugar verbos quando faziam a apresentação da sua "História de vida" ( o "eu fez" ou o "eu foi" eram frequentes),pessoas que tinham vidas todas iguais umas às outras que tornava quase impossível distinguir as "Histórias de vida", pessoas que admitiam ter copiado tudo da Internet,pessoas que admitiam que tinham sido os filhos a escrever aquilo por elas, pessoas que e mais pessoas que...
Como conclusão: foi uma experiência profissional péssima, já que trabalhei bem cedo na minha vida profissional com a mentira, o engano, o plágio e a corrupção. Centenas e centenas de adultos foram certificados com o 12º ano sem a mínima preparação para tal. Tentámos passar uma imagem daquilo que não somos e agora que o Programa Novas Oportunidades já não existe e caiu no esquecimento, pela seriedade da questão e por alguma réstia de vergonha na nossa Educação Nacional (que praticamente desapareceu), investigue-se o que aqui se passou. Com uma testemunha já podem contar.
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