A desonestidade nacional - razões e bases
Há uns dias atrás fizeram um estudo junto de algumas cidades em todo o Mundo para comprovar a honestidade das pessoas. Deixaram em locais públicos 12 carteiras com o equivalente a 37 euros + documentos identificativos + um número para contacto, e o pior aconteceu.
Lisboa ficou em último lugar de uma lista de cerca de 16 cidades do Mundo. A única carteira devolvida foi obra de um casal de sexagenários holandeses que por cá passava férias. Uma vergonha? Sim. Uma surpresa? Não.
Confesso que tive um contacto tardio com a desonestidade e com a corrupção (que andam sempre de mãos dadas). Descendo de uma família que honra os seus princípios e tem uma ética quase samurai na maneira como lida consigo e com os outros. Mas aos poucos, com o contacto social, a desonestidade começou a vir ao de cima. Não sei se se recordam aqueles que nasceram no início dos anos 80 que jamais era anunciado em qualquer orgão de comunicação social, qualquer acto de corrupção por parte de empresas ou indivíduos. Foi exactamente na fase em que entramos na União Europeia que muito destes casos que só hoje vêm a lume, começaram a ser cozinhados com a respectiva redistribuição desse dinheiro comunitário pelos diversos tentáculos de clientela, só possível em quem só pensa na exacta proporção do horizonte que vê. O final daquele monte que já é outra freguesia.
A partir do século XXI inúmeros casos começaram a ser denunciados na comunicação social e o pior aconteceu mais uma vez. Não haverá provavelmente uma grande empreitada encetada por nós (seja uma Expo 98, um Euro 2004, um Porto 2001) que não esteja manchado pelo escarro verde e viscoso da desonestidade humana. São milhões e mais milhões de euros desviados desde casos nebulosos de bancos como o BPN a desorçamentação e derrapagem de qualquer obra pública em que se chega a uma altura e já nem sequer se sabe qual foi o orçamento inicial.
Porque somos tão trapaceiros e trafulhas? Eu penso que tem a ver com uma mão cheia de razões. Uma chama-se "a nossa pequenez", uma outra é o Oceano Atlântico e também a nossa própria História.
Quanto ao segundo ponto, foi num dos portos mais míticos espalhados pelo Mediterrâneo que tive contacto com o "fare a portoguesi". E de que se trata isso? Um sair sem pagar. Tomei conhecimento com esta expressão numa esplanada em Génova, onde o empregado de mesa num tom jocoso nos perguntou se íamos pagar ou "fare a portoguesi". Era apenas uma piada local, mas segundo ele perde-se nas brumas do tempo da própria cidade a origem da expressão.
E aí vem a parte do Oceano Atlântico. Nós fomos um povo de exploradores marítimos mas acima de tudo de comerciantes. Há até um historiador inglês que nos estampa o epíteto de "criadores da globalização e do capitalismo moderno". Era natural nesses negócios (embora nunca referenciado em nenhum estudo histórico), aqueles que comandavam o navio ficarem com um quinhão dos negócios feitos Além-Mar. Efectivamente muitos destes navegadores enriqueceram grandemente a seguir aos Descobrimentos e não era por saberem o bombordo e o estibordo, até porque nenhum destes navegadores era oficialmente um comerciante. Era porque também faziam negócios em B, para além dos negócios em A. Aliás acredita-se que só cerca de 20 por cento do que era adquirido no Índico chegaria aos nossos armazéns em Antuérpia onde era depois escoado para as feiras do centro da Europa.
Mas até podemos ir mais para trás para descortinar a raíz deste problema. Efectivamente Afonso Henriques, o nosso primeiro rei, enganou continuamente e durante vários anos o Papa da altura. Todos os Estados afectos à Igreja tinham de pagar uma espécie de imposto papal anual em moedas de ouro. Por uma razão ou outra o nosso carregamento de moedas nunca chegava a Roma. Salteadores e ladrões de estrada dizia-lhes Afonso Henriques. Após exaustiva investigação e um espião enviado pelo Vaticano descobriu-se a verdade: o dinheiro nunca tinha saído sequer dos cofres reais. Era tudo inventado.
Ou seja, a desonestidade é-nos algo intrínseco e nunca poderá desaparecer da nossa vista enquanto Portugal e portugueses existirem. Ela circula no nosso ADN como um gelado circula para fora do cone em dias de extremo calor. Poderíamos apostar na formação, mas isso nunca mudaria nada e seria no fundo um desperdício de tempo e dinheiro. Temos de aprender a lidar com a desonestidade e a corrupção a ela inerentes. E não, ela não é só apanágio dos ricos e poderosos. Conheço gente que foi desonesta comigo e com outros próximos e que não se encaixa nesse perfil de Oliveira e Costa /Isaltino Morais.
Mas porra, 12 carteiras e a única que é devolvida tem de ser através de um casal reformado de holandeses é um atestado de trafulhice de toda a ordem. Pior: é a merda de uma tatuagem de âncora na cara.
Há uns dias atrás fizeram um estudo junto de algumas cidades em todo o Mundo para comprovar a honestidade das pessoas. Deixaram em locais públicos 12 carteiras com o equivalente a 37 euros + documentos identificativos + um número para contacto, e o pior aconteceu.
Lisboa ficou em último lugar de uma lista de cerca de 16 cidades do Mundo. A única carteira devolvida foi obra de um casal de sexagenários holandeses que por cá passava férias. Uma vergonha? Sim. Uma surpresa? Não.
Confesso que tive um contacto tardio com a desonestidade e com a corrupção (que andam sempre de mãos dadas). Descendo de uma família que honra os seus princípios e tem uma ética quase samurai na maneira como lida consigo e com os outros. Mas aos poucos, com o contacto social, a desonestidade começou a vir ao de cima. Não sei se se recordam aqueles que nasceram no início dos anos 80 que jamais era anunciado em qualquer orgão de comunicação social, qualquer acto de corrupção por parte de empresas ou indivíduos. Foi exactamente na fase em que entramos na União Europeia que muito destes casos que só hoje vêm a lume, começaram a ser cozinhados com a respectiva redistribuição desse dinheiro comunitário pelos diversos tentáculos de clientela, só possível em quem só pensa na exacta proporção do horizonte que vê. O final daquele monte que já é outra freguesia.
A partir do século XXI inúmeros casos começaram a ser denunciados na comunicação social e o pior aconteceu mais uma vez. Não haverá provavelmente uma grande empreitada encetada por nós (seja uma Expo 98, um Euro 2004, um Porto 2001) que não esteja manchado pelo escarro verde e viscoso da desonestidade humana. São milhões e mais milhões de euros desviados desde casos nebulosos de bancos como o BPN a desorçamentação e derrapagem de qualquer obra pública em que se chega a uma altura e já nem sequer se sabe qual foi o orçamento inicial.
Porque somos tão trapaceiros e trafulhas? Eu penso que tem a ver com uma mão cheia de razões. Uma chama-se "a nossa pequenez", uma outra é o Oceano Atlântico e também a nossa própria História.
Quanto ao segundo ponto, foi num dos portos mais míticos espalhados pelo Mediterrâneo que tive contacto com o "fare a portoguesi". E de que se trata isso? Um sair sem pagar. Tomei conhecimento com esta expressão numa esplanada em Génova, onde o empregado de mesa num tom jocoso nos perguntou se íamos pagar ou "fare a portoguesi". Era apenas uma piada local, mas segundo ele perde-se nas brumas do tempo da própria cidade a origem da expressão.
E aí vem a parte do Oceano Atlântico. Nós fomos um povo de exploradores marítimos mas acima de tudo de comerciantes. Há até um historiador inglês que nos estampa o epíteto de "criadores da globalização e do capitalismo moderno". Era natural nesses negócios (embora nunca referenciado em nenhum estudo histórico), aqueles que comandavam o navio ficarem com um quinhão dos negócios feitos Além-Mar. Efectivamente muitos destes navegadores enriqueceram grandemente a seguir aos Descobrimentos e não era por saberem o bombordo e o estibordo, até porque nenhum destes navegadores era oficialmente um comerciante. Era porque também faziam negócios em B, para além dos negócios em A. Aliás acredita-se que só cerca de 20 por cento do que era adquirido no Índico chegaria aos nossos armazéns em Antuérpia onde era depois escoado para as feiras do centro da Europa.
Mas até podemos ir mais para trás para descortinar a raíz deste problema. Efectivamente Afonso Henriques, o nosso primeiro rei, enganou continuamente e durante vários anos o Papa da altura. Todos os Estados afectos à Igreja tinham de pagar uma espécie de imposto papal anual em moedas de ouro. Por uma razão ou outra o nosso carregamento de moedas nunca chegava a Roma. Salteadores e ladrões de estrada dizia-lhes Afonso Henriques. Após exaustiva investigação e um espião enviado pelo Vaticano descobriu-se a verdade: o dinheiro nunca tinha saído sequer dos cofres reais. Era tudo inventado.
Ou seja, a desonestidade é-nos algo intrínseco e nunca poderá desaparecer da nossa vista enquanto Portugal e portugueses existirem. Ela circula no nosso ADN como um gelado circula para fora do cone em dias de extremo calor. Poderíamos apostar na formação, mas isso nunca mudaria nada e seria no fundo um desperdício de tempo e dinheiro. Temos de aprender a lidar com a desonestidade e a corrupção a ela inerentes. E não, ela não é só apanágio dos ricos e poderosos. Conheço gente que foi desonesta comigo e com outros próximos e que não se encaixa nesse perfil de Oliveira e Costa /Isaltino Morais.
Mas porra, 12 carteiras e a única que é devolvida tem de ser através de um casal reformado de holandeses é um atestado de trafulhice de toda a ordem. Pior: é a merda de uma tatuagem de âncora na cara.