sexta-feira, 27 de setembro de 2013

A desonestidade nacional - razões e bases

Há uns dias atrás fizeram um estudo junto de algumas  cidades em todo o Mundo para comprovar a honestidade das pessoas. Deixaram em locais públicos 12 carteiras com o equivalente a 37 euros + documentos identificativos + um número para contacto, e o pior aconteceu.
Lisboa ficou em último lugar de uma lista de cerca de 16 cidades do Mundo. A única carteira devolvida foi obra de um casal de sexagenários holandeses que por cá passava férias. Uma vergonha? Sim. Uma surpresa? Não.
Confesso que tive um contacto tardio com a desonestidade e com a corrupção (que andam sempre de mãos dadas). Descendo de uma família que honra os seus princípios e tem uma ética quase samurai na maneira como lida consigo e com os outros. Mas aos poucos, com o contacto social, a desonestidade começou a vir ao de cima. Não sei se se recordam aqueles que nasceram no início dos anos 80 que jamais era anunciado em qualquer orgão de comunicação social, qualquer acto de corrupção por parte de empresas ou indivíduos. Foi exactamente na fase em que entramos na União Europeia que muito destes casos que só hoje vêm a lume, começaram a ser cozinhados com a respectiva redistribuição desse dinheiro comunitário pelos diversos tentáculos de clientela, só possível em quem só pensa na exacta proporção do horizonte que vê. O final daquele monte que já é outra freguesia.
A partir do século XXI inúmeros casos começaram a ser denunciados na comunicação social e o pior aconteceu mais uma vez. Não haverá provavelmente uma grande empreitada encetada por nós (seja uma Expo 98, um Euro 2004, um Porto 2001) que não esteja manchado pelo escarro verde e viscoso da desonestidade humana. São milhões e mais milhões de euros desviados desde casos nebulosos de bancos como o BPN a desorçamentação e derrapagem de qualquer obra pública em que se chega a uma altura e já nem sequer se sabe qual foi o orçamento inicial.
Porque somos tão trapaceiros e trafulhas? Eu penso que tem a ver com uma mão cheia de razões. Uma chama-se "a nossa pequenez", uma outra é o Oceano Atlântico e também a nossa própria História.
Quanto ao segundo ponto, foi num dos portos mais míticos espalhados pelo Mediterrâneo que tive contacto com o "fare a portoguesi". E de que se trata isso? Um sair sem pagar. Tomei conhecimento com esta expressão numa esplanada em Génova, onde o empregado de mesa num tom jocoso nos perguntou se íamos pagar ou "fare a portoguesi". Era apenas uma piada local, mas segundo ele perde-se nas brumas do tempo da própria cidade a origem da expressão.
E aí vem a parte do Oceano Atlântico. Nós fomos um povo de exploradores marítimos mas acima de tudo de comerciantes. Há até um historiador inglês que nos estampa o epíteto de "criadores da globalização e do capitalismo moderno". Era natural nesses negócios (embora nunca referenciado em nenhum estudo histórico), aqueles que comandavam o navio ficarem com um quinhão dos negócios feitos Além-Mar. Efectivamente muitos destes navegadores enriqueceram grandemente a seguir aos Descobrimentos e não era por saberem o bombordo e o estibordo, até porque nenhum destes navegadores era oficialmente um comerciante. Era porque também faziam negócios em B, para além dos negócios em A. Aliás acredita-se que só cerca de 20 por cento do que era adquirido no Índico chegaria aos nossos armazéns em Antuérpia onde era depois escoado para as feiras do centro da Europa.
Mas até podemos ir mais para trás para descortinar a raíz deste problema. Efectivamente Afonso Henriques, o nosso primeiro rei, enganou continuamente e durante vários anos o Papa da altura. Todos os Estados afectos à Igreja tinham de pagar uma espécie de imposto papal anual em moedas de ouro. Por uma razão ou outra o nosso carregamento de moedas nunca chegava a Roma. Salteadores e ladrões de estrada dizia-lhes Afonso Henriques. Após exaustiva investigação e um espião enviado pelo Vaticano descobriu-se a verdade: o dinheiro nunca tinha saído sequer dos cofres reais. Era tudo inventado.
Ou seja, a desonestidade é-nos algo intrínseco e nunca poderá desaparecer da nossa vista enquanto Portugal e portugueses existirem. Ela circula no nosso ADN como um gelado circula para fora do cone em dias de extremo calor. Poderíamos apostar na formação, mas isso nunca mudaria nada e seria no fundo um desperdício de tempo e dinheiro. Temos de aprender a lidar com a desonestidade e a corrupção a ela inerentes. E não, ela não é só apanágio dos ricos e poderosos. Conheço gente que foi desonesta comigo e com outros próximos e que não se encaixa nesse perfil de Oliveira e Costa /Isaltino Morais.
Mas porra, 12 carteiras e a única que é devolvida tem de ser através de um casal reformado de holandeses é um atestado de trafulhice de toda a ordem. Pior: é a merda de uma tatuagem de âncora na cara.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Uma música por dia terminou.

Não acho que seja necessário andar a impingir músicas às pessoas. Elas ouvem o que querem, quando querem e não sou ninguém para lhes dizer o que ouvir.
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domingo, 15 de setembro de 2013

Dark Horse Official Trailer #1 (2011) Todd Solondz Movie HD



Crítica a "Dark Horse" de Todd Solondz. 7/10.
Raro é o filme que coloca um "slacker" como personagem principal. É fácil criarmos empatia com um Lebowski porque todos nós somos um bocado aquilo. Gostamos é de andar em "lounge pants", beber cocktails a qualquer hora do dia e pagar um pacote de leite com um cheque. Isso e Creedence. Mas criar empatia com um man-baby preguiçoso que deixou de evoluir aos 15 anos é uma tarefa bem mais árdua.
Todd Solondz, meste do humor negro e do desconforto é o grande realizador do lado obscuro da suburbia norte-americana. Uns quadros muito vívidos de uma América que se reforma aos 65 para se mudar para a Florida por entre pinceladas de Xanax, facadas no matrimónio e perversidade sexual q.b.
Solondz convoca portanto para a linha da frente um "slacker" com o qual muito dificilmente nos conseguiremos identificar . Uma jogada muito arriscada. Jordan Gelber faz de Abe, um tipo com 35 anos, praticamente virgem, que vive em casa dos pais, trabalha na empresa do cota (um Christopher Walken de capachinho) fazendo balancetes, guia um Hummer amarelo, ouve música pop descartável e tem tiradas que não colocam o espectador do lado dele. Exemplos são os ataques de "drama queen" em que se queixa que é velho demais para o "American Idol" ou aquela vez em que cobra 850 dólares à mãe da parte do jogo de gamão - que jogam quase todas as noites - para comprar action figures dos "Thundercats" e "Simpsons" e que são aliás a decoração do seu quarto. E é nisso que Solondz é mestre: o brincar com as expectativas do espectador, baralhando-o todo e surpreendendo-o no final. Nisso Happiness (1998 film) colocou-o rapidamente na lista dos realizadores a seguir de finais dos anos 90 em diante. E é neste final que não falhou em "Happiness" que Solondz enterra a meu ver este "Dark Horse". É pelo final que leva um 7 e não um 9.

sábado, 14 de setembro de 2013

http://www.waitbutwhy.com/2013/09/why-generation-y-yuppies-are-unhappy.html

Artigo sobre as expectativas da Geração Y (nascidos entre finais dos 70s e metade dos 90s). Brilhante.

A Certain Ratio - Do The Du


Uma música por dia

#19 A Certain Ratio (Madchester/Inglaterra)

ps: vou deixar de colocar aqui uma biografia. consultem o google para mais info
A Grande Era da Estupidez (continuação)

-Ao nível da arte, esta é a Grande Era da Reciclagem. Quer nas artes plásticas, na música e no cinema um autêntico Muro de Berlim obstou no encontro destas. Reféns das próprias regras e da sua finitude, estas passaram a obedecer a trâmites rigorosos dada a descoberta da consciência da tal finitude.
Assim nas artes plásticas, o artista deixa de ser o autor material da obra. Condicionado pela obrigação do conceptualismo, este passa a ter um gabinete que trata de conseguir os materiais necessários para a construção da obra. Portugal descobre isso tarde com Joana Vasconcelos que através de sapatos altos feitos de panelas e helicópteros embutidos de cristais e tapetes de Arraiolos lança o debate num país onde a massa crítica é feita por pessoas que fazem 3 viagens anuais a Londres ou que até chegam a lá morar, servindo cervejas durante a noite e enviados artigos por e-mail de madrugada. Uma massa crítica de bolo, portanto.
Ao nível da música assistimos a fenómenos de reciclagem de géneros de décadas passadas que envolvem desde a música à estética. O fenómeno dos "comebacks" também ganha eco nesta Era, originando episódios tão patéticos como assistirmos a homens de 55 anos a interpretarem letras que escreveram com 17 . Nenhum novo fenómeno musical emana a partir da Queda do Muro de Berlim. A música electrónica parece ganhar força nesta altura tornando-se no novo fenómeno de massas. Assim em vez de termos assistências que apreciam uma pessoa ou pessoas realmente tocando um instrumento, temos assistências que apreciam uma pessoa que está a passar música que está realmente já gravada. A música electrónica tem a partir dos anos 10 do século XXI o seu óbito consumado pela sua finitude e limitação. Tal como aconteceu com a música orgânica, a reciclagem começa a tornar-se vulgar atirando este género de música para uma espiral que surge sempre com objectos à tona que já tinham sido detectados antes. No fundo como um "maelstrom" que cospe sempre os mesmos pares de sapatos.
O cinema também encontra em finais do século XX o seu Muro de Berlim. Confinado a fórmulas gastas é salvo temporariamente por meia dúzia de realizadores e argumentistas independentes que tentam fugir ao marasmo instalado criando paisagens que tem tanto de pessoais como de revolucionárias para o género, atirando o próprio género contra si mesmo. É de destacar uma cena do filme "Adaptation" escrito por Charlie Kaufman em que a personagem interpretada por Nicholas Cage que na realidade é o próprio Kaufman se confronta com um professor para argumentistas de cinema numa palestra questionando-o se era possível uma personagem não mudar no final de um filme, tal como acontece na vida real. A resposta assertivamente negativa é um momento chave na morte da Sétima Arte.


sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Crónicas do futuro 2113

A Grande Era da Estupidez (1990 - 2113)

A Grande Era da Estupidez foi por consequência irónica a Grande Era da Informação. O grande desenvolvimento tecnológico durante o século XX possibilitou ao Homem, uma grande panóplia de ferramentas que possibilitaram um acesso mais rápido e eficiente aos meios de comunicação. Longe foram os tempos em que os Estados controlavam a informação a que cada um teria acesso (com excepções, em especial na Ásia) e esta tornou-se disponível a todos, mas mais do que isso, a informação tornou-se controlável por todo e qualquer ser humano com acesso à Internet e o mínimo de escolaridade. A informação deixou portanto de ser controlada por profissionais do ramo e tornou-se mais amadora, mais simples e mais estúpida.
Alguma vez experimentaram estar no meio de um aceso debate? Repararam que nesses, quem fala mais alto é quem melhor se ouve a si mesmo? E que o restante auditório não está minimamente interessado naquilo que está a dizer quem está a partilhar, mas apenas aguardando a sua vez para falar mais alto? Neste caso não há emissores e receptores mas apenas o primeiro. Quando tal acontece, o conhecimento não é partilhado e torna-se vazio e desproporcionado de um contexto. Sendo assim é apenas mais uma garrafa com uma mensagem no oceano.
Por consequência o défice de atenção decaiu até níveis nunca experimentados pelo ser humano. A sensação de enfartamento de informação foi semelhante a alguém que tem uma enorme biblioteca com milhares de títulos mas que não sabe por onde começar, portanto não começa por lado nenhum. A ilusão de um acesso facilitado e imenso à informação teve no ser humano o impacto exactamente oposto ao pretendido. Em vez de aumento de conhecimento e experiência, surgiu o aumento da estupidez e uma arrogância e ignorância a ela acoplados. 
Com o primeiro aparelho portátil com acesso à Internet surgiu a Grande Era da Estupidez.
Vamos analisar as principais características da mesma:
- Uma proliferação de entretenimento cronometrado. Dado o aumento de informação e a ilusão da falta de tempo, o tempo de entretenimento começou a ser marcado como se de uma batuta tratasse. Se após 40 segundos, o leitor e/ou ouvinte não se sentir minimamente preenchido com aquilo que está a visualizar e /ou ouvir, é tempo de passar para outro vídeo/música/texto que preencha os requisitos acima descritos. Ainda que tenha muitas visualizações e/ou escutas, o fenómeno será meramente passageiro e não será recordado. Na Grande Era da Estupidez nada teve uma História.
- A degradação das condições de vida da maioria da população. Esta com os cortes salariais e aumento de impostos tendo em vista a alimentação constante do monstro bancário, levou o ser humano a fazer qualquer coisa por dinheiro. O dinheiro tornou-se mestre e o Homem seu escravo, como nunca antes se sucedera na História humana. Perante tamanha pressão, o Ser Humano sujeita-se a tudo e abdica de todo o tipo de valores.
- As religiões como objectos museológicos. Perante o laicismo de todos os Estados Ocidentais, o Ser Humano experimentou pela primeira vez desde que saiu das cavernas, uma ausência de espiritualidade que se repercutiu nos valores acima mencionados. Valores como partilha, a ajuda ao próximo, a hospitalidade e a "bondade" tornaram-se obsoletos e encarados como uma perda de tempo. O individualismo proporcionado por uma informação no momento e acessível no bolso, levou a que o Humano deixasse de ter necessidade do Outro. Como o Outro desaparece, com ele desaparecem os valores inerentes, incutidos durante gerações. O Humano sem estes torna-se como um cão perdido que não sabe para onde ir, mas que pensa que sabe, dada essa Informação disponível. Essa ilusão potencia a Estupidez
- O aumento das doenças mentais. Desde o Iluminismo que o Humano potencia muito mais o cérebro e o Racionalismo até pontos outrora inimagináveis. Com essa prevalência da Racionalidade acima do Animal, toda uma série de doenças mentais novas surgiram durante todo o século XX. Com estas veio um acompanhamento terapêutico e uma série de drogas para iludir essas mesmas doenças . Essas drogas químicas produzidas por grandes laboratórios internacionais tornaram-se de tal forma vulgares, que mesmo quem não necessita delas as usa. Com isso veio um grau de adição e uma velhice que leva muitas vezes a uma descompensação que se torna irreversível, especialmente pela degradação das condições de vida mencionadas no ponto 2 

(... a continuar )