quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Portugal e o "tem de".

"Tem de" é a expressão que ouço com mais frequência nos meios de comunicação social nacionais dedicados a notícias, debates e artigos de opinião.
"Portugal tem de fazer um esforço para uma consolidação orçamental", "Portugal tem de fazer uma prevenção nos locais com maiores focos de incêndios no Verão" , "Temos de ler mais", "Temos de trabalhar mais horas a receber menos e a produzir mais", "Temos de ser mais activos na política nacional", "Temos de fazer frente aos interesses partidários". E por aí fora. Podíamos gastar aqui um texto inteiro de centenas de páginas só com esta expressão.
O "tem de" era um termo que eu usava muito quando dava aulas. Para uma audiência de viciados em jogos de computador, iphones e a sua própria imagem. A geração de narcisistas idiotas que se segue, no fundo. Eu dizia-lhes "tens de fazer o teu teste" ou "tens de deixar de falar com o teu colega de carteira senão troco-te de lugar" ou "tenho de te mandar para a rua, não é aceitável que atires uma mesa à cara do teu colega" (esta é mesmo real).
E Portugal é um bocado como os meus ex-alunos (José Gil tem razão, todos nós somos Portugal mas encaramos o país como uma entidade estranha que não responde às nossas ordens que no fundo é um bocado como um cão que só faz merda). Todos nós sabemos o que temos a fazer para que o país se torne um local mais habitável. Varrer todo o lixo político pós-25 de Abril (que é como quem diz, varrer PS,PSD e PP) , incriminar quem deixou o país numa situação calamitosa, tornar o país menos dependente do exterior estimulando um consumo interior mais forte (o único sector onde Portugal é auto-suficiente é ironia das ironias, o vinho), apostar no sector do mar - já que temos a maior área marítima que um país europeu pode ter porque não aproveitar isso? E mais uma série de medidas que teriam como base, educação e saúde gratuita para todos, mas ao mesmo tempo um Estado não tão aglutinador das riquezas e da mão-de-obra do país (um em cada dez trabalhadores ser funcionário público é um mau indicador).
Todos nós sabemos o que tem de ser feito, mas ainda assim não partimos para a acção. E a acção como palavra e atitude tem muito mais importância do que a eventualidade daquilo que tem de ser feito. Na realidade o "tem de " tem como único resultado a inacção. É como sabermos que temos de comprar papel higiénico mas esquecermo-nos constantemente disso e usarmos guardanapos. O problema é que andamos a usar guardanapos desde os Descobrimentos.
Esse, foi provavelmente o único período da nossa História onde tivemos alguma acção por cá. Impulsionados por uma burguesia com ideias e avançada para o que era o europeu comum e um Estado que apoiava essas empreitadas, deixamo-nos cair na letargia após a expulsão dos judeus por D.Manuel I. Quase como se a predominância de uma só religião votada para o sofrimento interior em busca de um lugar melhor após a morte nos influenciasse a todos. Sucederam-se D. Sebastiões que desaparecem para voltar um dia para salvar isto tudo (e logo o pior rei que Portugal já teve.), Filipes de Espanha mais revoluções que se fizeram num dia e em que não morria ninguém. Sucederam-se depois disso o poderio inglês sobre nós (a factura das invasões francesas tinha de ser paga não é?), o fim da monarquia e uma década onde ninguém se entendia e os governos caíam como tordos (engraçado como a fase que vivemos hoje é semelhante) e por fim um enorme rato burocrático, daqueles que cheiram a naftalina e a livros de contas e que com 0 de carisma, governa este país como só a garra de gabinete de um rato burocrático consegue.
E aqui chegamos. Durante estes séculos todos nunca tivemos de fazer nada, havia sempre alguém que o fizesse por nós. Mas agora temos de fazer alguma coisa, porque a nossa dívida já ultrapassa largamente o nosso PIB e estamos a ficar todos sem dinheiro e sem condições de vida. A questão mais urgente será mais esta  agora: será que sabemos como temos de?

1 comentário: