segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Pâncreas, esse filho da puta.

Aqueles que acreditam na grande evolução humana nos últimos 200 anos, deviam de refrear os seus ânimos. É verdade, que ao nível do material, sofremos evoluções consideráveis, nomeadamente na velocidade das comunicações, físicas, ou não tão físicas. Mas ao nível da nossa evolução interior, esta simplesmente ocorreu e ainda ocorre com grande lentidão.
Ainda há pouco tempo um dos gurus dessa comunicação em tempo real, Steve Jobs, deixou-nos e a onda de comoção nas redes sociais foi deveras assinalável. Tinha morrido um génio, um gajo que mudou a forma como vivemos e blablabla.
Na realidade (daqui fala uma pessoa com ausência de produtos Apple) morreu o gajo que nos leva à não comunicação física, sempre agarrados aos "tablets" e "iphones", filmando tudo, registando tudo -numa ânsia voraz de um arquivo que nem o próprio irá consultar -comunicando tudo o que é possível comunicar sem filtro. Morreu o gajo que nos mantém mais distantes, mais longes dos olhares de cada um, e assim um grande homem se foi.
Mas este texto não é sobre aquele que Kutcher irá representar no cinema (o que é má onda, penso que um filme só deveria ser realizado aquando do cadáver já em avançado estado de decomposição).
 É sobre António Borges, embora não tanto sobre ele mas mais acerca da reacções à sua morte.
Na realidade penso que continuamos a ser umas criaturinhas irracionais, que continuam a ladrar "burn the witch" aquando da sentença de uma velhota com aspecto de bruxa (e todos sabemos de como eram os "questionários" na Inquisição) e aplaudem a cabeça de Maria Antonieta num cesto de vime.
Somos uns filhos da puta irracionais, é o que somos.
António Borges não era efectivamente uma figura bem vinda junto de vários meios da "intelegentzia" nacional. Eu próprio não concordava com a sua visão thatcheriana de segunda linha, do mercado livre, do Estado quase inexistente, da ausência de apoios e subsídios ao cidadão. Penso que levar alguém tão leviano e calado como o dinheiro para ponta de lança de uma teoria política, é como contratar alguém como Cardozo. O gajo até pode dar uma ajuda aqui e ali, mas mais cedo ou mais tarde vai atirar-vos ao chão de empurrão. É assim o dinheiro e como tal não se pode coadunar com teorias políticas, porque o dinheiro é áspero, é puta ( porque salta de mão em mão) e é muito injusto porque nunca respeita qualquer tipo de norma. É portanto suicida.
A tolerância no entanto, é só para alguns, muito mais na teoria que na prática. Podemos ficar contentes com a morte de um ditador africano, já que é alguém que dizimou aldeias em seu proveito. Podemos ficar contentes com a morte de Assad pelas mesmas razões. Mas ficar contente com a morte de alguém que tinha uma opinião diferente da nossa é somente atrasado. E sim, é atrasado mental.
Borges tinha um percurso académico e profissional brilhante. Dentro da sua área trabalhou directamente com o FMI e a Goldman Sachs, que gostando ou não, são as instituições que dominam a nossa política nacional, porque nós deixamos, quando digo nós, digo mesmo nós os que os elegemos para tomar essas medidas de subjugação a interesses estrangeiros. Além do mais esteve no conselho da administração da Petrogal, Sonae, Citibank, BNP Paribas, Jerónimo Martins ou Vista Alegre. E foi também um professor universitário de renome acarinhado pelos seus alunos (que de certeza tinham teorias políticas díspares ).
Festejarmos a morte de alguém que trabalhou a vida toda em cargos desta importância, alguém que tinha uma opinião diferente da nossa revela uma pequenez mental, proporcional ao nosso tamanho. Mas nada que surpreenda por aí além.

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